Letras também captam a tragédia da carnificina em Bagdá.
Com proibições, internet hoje é meio mais seguro para fazer música circular.
Os olhos de Farouk Hassan se enchem de lágrimas quando ele coloca o CD para tocar no carro e canta junto com o mais novo sucesso, um lamento ao amor perdido: a Bagdá destruída pela violência.
Mas não são apenas as letras da canção que captam a tragédia da carnificina em Bagdá.
O pop star que canta a música, o jovem que a escuta e até os funcionários da loja de discos que lhe venderam o CD estão entre as milhares de pessoas que deixaram a capital iraquiana.
Percorrendo as ruas de Sulaimaniyah, 290 quilômetros ao norte de Bagdá, Hassan – que fugiu da capital há alguns meses – lembra que os amigos em sua cidade natal não podem sequer escutar música em público, temendo chamar a atenção de militantes islâmicos que consideram a música pop como uma força capaz de corromper.
"A música consegue envolver uma pessoa em todas essas emoções, é incrível", declarou Hassan, enxugando as lágrimas dos olhos. A música consegue "realmente comover as pessoas que sentem saudade de casa", acrescentou.
Cerca de 1,8 milhão de iraquianos deixaram o país ao longo de quase quatro anos de violência desde a queda de Saddam Hussein. Quase o mesmo número de pessoas deixou suas casas para se refugiar em outras partes do Iraque, muitas em Sulaimaniyah e outras cidades da região ao norte do Curdistão, que foram quase que totalmente poupadas da guerra.
Em meio ao caos, extremistas muçulmanos xiitas e sunitas tornaram-se mais audaciosos na imposição de restrições religiosas – obrigando o fechamento de lojas de CDs e DVDs. Houve casos em que funcionários dessas lojas foram assassinados.
Na loja especializada em música Aldar Albaidaa, em Sulaimaniyah, de onde Hassan é cliente assíduo, um dos vendedores, Ammar, sentiu na pele os perigos do ramo da música.
Ammar, que preferiu não revelar seu sobrenome temendo represálias contra sua família, chegou a gerenciar uma loja de discos na região leste de Bagdá. No entanto, em setembro, seguidores do líder radical xiita Muqtada al-Sadr foram à loja e ordenaram que fechasse as portas.
"Seu infiel seguidor do demônio...você merece morrer por incentivar a depravação e o adultério nos muçulmanos", dizia a carta que deixaram.
Ammar, 21, disse que em princípio não levou a ameaça a sério. Mas em seguida, os homens vestidos de preto abriram fogo contra a loja, destruindo-a e ferindo o rapaz.
Poucos dias depois, ele deixou a família e os estudos da faculdade e partiu para Sulaimaniyah, onde conseguiu emprego na Aldar Albaidaa.
É possível escutar de longe a música pop árabe que vem da loja instalada na mais importante rua comercial de Sulaimaniyah. As paredes da loja são decoradas com cartazes de cantoras ocidentais e árabes em trajes diminutos. Em qualquer outro lugar do Iraque, isso seria suficiente para incitar ataques de extremistas, mas Sulaimaniyah e o restante do independente Curdistão são em maioria seculares.
A própria cadeia de lojas de música Aldar Albaidaa também não deixa de ser um tipo de refugiada. Abriram uma unidade em Sulaimaniyah porque já não era mais seguro vender música nas áreas centrais e ao sul do Iraque, contou o gerente da filial, Ahmad al-Ahmad.
Integrantes de milícias invadiram a filial de Bagdá da cadeia de lojas e exigiram o seu fechamento, contou o gerente de Bagdá à Associated Press por telefone.
Ele conseguiu negociar a permanência da loja em funcionamento, mas desde que seguisse um conjunto de rígidas condições: nada de cartazes de cantoras na vitrine e nada de alto-falantes tocando música do lado de fora.
"Os negócios não são como antes", contou o gerente, que pediu para que a identidade fosse mantida em sigilo temendo represálias. "As pessoas têm medo até de entrar na loja com receio de estarem sendo observadas".
Al-Ahmad, o gerente da filial de Sulaimaniyah, disse que os CDs campeões de venda em 2006 foram os que evocavam emoções dos iraquianos que haviam fugido da violência, com títulos como "Não esquecemos o Iraque" e "Os sofrimentos do nosso povo".
Na lista dos artistas mais populares está Hossam al-Rassam, o cantor iraquiano que Hassan escutava no carro.
"Que pena, Bagdá era a jóia dos árabes, mas foi vendida em um leilão" canta al-Rassam, que agora mora na Síria, em tom melancólico.
Em outras canções, al-Rassam toca ud – um instrumento musical árabe parecido com o alaúde – e canta seguindo o estilo poético tradicional do Maqam para extrair o máximo de emoção das letras, suplicando à sua terra natal que perdoe os que a deixaram.
Diante do medo de comprar discos, muitos habitantes de Bagdá agora recorrem à internet.
Anwar Getan, residente na região leste de Bagdá, conta que faz o download de músicas e as salva no cartão de memória do telefone celular, trocando-as com vizinhos e amigos.
"Usar o celular para escutar músicas é muito mais seguro do que se arriscar indo até as lojas", revelou ele.
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