segunda-feira, 23 de abril de 2007

Música digital decreta o fim da alta-fidelidade


Tocadores modernos substituem os grandes aparelhos de som domésticos.
Para especialista, no entanto, se vitrolas são Ferraris, "o iPod é uma mobilete".
Michael Silver, dono de uma refinada loja de música, vende agulha de vitrola por US$ 5 mil (Foto: AP)
Fãs de música ainda se lembram de uma imagem familiar de propaganda do passado: um homem reclinado numa cadeira, com a cabeça para trás, relaxando ao som de sua vitrola.
Mas os aparelhos de alta-fidelidade agora são relíquias.

Com capacidade de guardar grandes seleções de música no seu bolso, os modernos players tomaram o lugar dos grandes aparelhos de som domésticos como o equipamento musical preferido. Mas a qualidade de som dos arquivos digitais de áudio é perceptivelmente inferior à dos CDs e até mesmo do vinil.

Será que o som de alta-fidelidade está com os dias contados? Julgando pelos dois bilhões de músicas baixadas do serviço iTunes da Apple Inc., pela onipresença dos fones de ouvido brancos de iPod, e pelas centenas de milhares de pessoas trocando arquivos de música de graça, a resposta é sim.

"Sob muitos aspectos, uma qualidade de som boa o suficiente já satisfaz", diz Paul Connolly, especialista em instalação de arte e um velho fã de sistemas de reprodução de áudio, de Sugar Land, no Texas, que agora está no processo de digitalizar seus 2.400 CDs no formato de menor perda de áudio digital da Apple.

"O calor e a simpática distorção que os discos de vinil tinham eram até bonitos", diz ele. "Mas se eu tenho saudades do tempo dos vinis? Não. Se sinto falta dos tempos dos CDs agora que nós nos tornamos digitais? Não. É um novo meio".

Justin Schoenmoser, de San Francisco, também trocou seu sistema de som por um iPod. Atualmente ele trabalha fora do país e carrega seu iPod para onde vai, a conveniência de carregar milhares de músicas em um aparelho melhor do que um maço de cigarros compensa o sacrifício da qualidade.

"A última vez que eu tive um sistema completo de som foi na década de 90, e foi um presente dos meus pais", disse Schoenmoser. "Agora que consegui converter a maioria das minhas coisas para o formato digital, finalmente consegui me livrar do meu aparelho de som antigo".

iPod = mobilete


Uma música copiada de um CD a 128 kilobits por segundo – a configuração padrão para a maioria dos programas – guarda apenas uma fração da informação de áudio contida no disco original. Quer você tenha baixado a música do itunes ou do LimeWire, a música continua a mesma. O pequeno arquivo de música digital é uma sombra altamente compactada da gravação original.

Independentemente de quão avançado é o seu sistema de som doméstico, se você tocar nele um MP3 de baixa qualidade ou um arquivo de iTunes, você terá uma reprodução de baixa qualidade da música original. É escutável, mas ainda carece a nitidez de um CD tocado no mesmo sistema.

Alguns especialistas dizem que a qualidade de som perdida no processo é indetectável pela maioria dos ouvidos não treinados. Mas Michael Silver pode ouvir a diferença.

Audio High, sua refinada loja de música em Mountain View, vende coisas como uma agulha de vitrola por US$ 5 mil e um cabo para som estéreo a US$ 2.700 o metro.

"Não se pode comparar", diz Silver sobre a qualidade do som oferecida pelos players portáteis de música de hoje e seus arquivos de som compactados. Se o seu equipamento especial é como uma Ferrari do som, e o equipamento comum de som estéreo é uma Honda, "um iPod é como uma mobilete", diz Silver.

Essa diferença na qualidade do som, perceptível ou não, não tem poupado os maiores e tradicionais vendedores de música e aparelhos de som.

O Tweeter Home Entertainment Group Inc., um revendedor de equipamentos áudio de média e alta qualidades, sediado em Canton, Massachussets, está fechando 49 de suas 153 lojas no país. A queda nas vendas na Tower Records, de Sacramento, na Califórnia, fez com que a antiga líder do setor declarasse falência em agosto do ano passado.

A Circuit City, segunda maior revendedora de eletrônicos do país, está despedindo 3.400 de seus mais experientes vendedores.

Dados atuais de um relatório recente da Nielsen SoundScan mostram que as vendas de CDs já gravados caíram 20% nos Estados Unidos desde o ano passado

"Todo mundo tem uma determinada quantidade de dinheiro para gastar. Não é que as pessoas estejam escolhendo não gastá-lo no antigo sistema de áudio. É que algo novo surgiu simultaneamente", afirma James McQuivey, o principal analista de tecnologia de mídia no instituto Forrester Research Inc.

"O MP3 player integra a coleção de músicas com a execução das mesmas", diz ele. "Agora tudo isso é escondido, invisível, em um disco rígido em algum lugar".

Amplificadores e caixas


Com os usuários conectados em rede em suas casas prontos para preencher o vazio deixado pela morte dos aparelhos de som, McQuivey vê um fluxo crescente de novos aparelhos no horizonte que irão apagar quaisquer empecilhos para a migração completa para o MP3.

A companhia Sonos, Inc., com sede em Santa Bárbara, por exemplo, vende um sistema que permite ao usuário tocar as músicas do PC para um amplificador e caixas acústicas ou home theater, algo híbrido entre a velha guarda e o novo.

"Um CD não tem mais qualquer importância para mim", diz John MacFarlane, fundador e diretor executivo da Sonos. "O iPod e esse tipo de player portátil aceleraram essa tendência ainda mais".

Mesmo quando os consumidores compram CDs hoje em dia, "a primeira coisa que fazem é abri-los e colocá-los em seus iPods", diz MacFarlane.

MacFarlane não está mesmo convencido de que algumas pessoas sejam capazes de ouvir a diferença entre a qualidade dos CDs e os silenciados arquivos de MP3, a que ele atribui "boa qualidade, não perfeita".

"Quando a Philips e a Sony fizeram os CDs eles não cortaram nenhuma aresta porque foram cuidadosos para preservar tudo o que estava lá, mesmo que você fosse incapaz de ouvir", disse MacFarlane. "Esses arquivos de 128 são bons pra caramba. Muitos professores doutores trabalharam para fazer os arquivos de 128 kbps funcionar bem e soar bem".

Schoenmoser, o viajante californiano, concorda. "Eu honestamente não sou capaz de dizer a diferença entre o CD, as fitas e a música digital", diz ele. "Eu aceitaria até mesmo uma qualidade ainda mais baixa, desde que seja digital e portátil".

(Por Ron Harris, da Associated Press)

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